Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que,
pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não
completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou
intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos.
Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas
já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é
uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o
importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a
sociedade se organiza para essa convenção.
Por necessidade
individual e incapacidade coletiva de garantir que essa preparação
ocorra de forma protegida, muita gente acaba empurrada para abraçar
responsabilidades e emularem uma maturidade que elas não têm. Enfim, se
tornam adultos sem ter base para isso.
Na prática, o Estado e a
sociedade falham retumbantemente em garantir que o Estatuto da Criança e
do Adolescente ou mesmo a Constituicão Federal sejam cumpridos.
Entregamos muitos deles à sua própria sorte – sejam filhos de famílias
pobres ou ricas. Porque encher o filho de brinquedos e fazer todas as
suas vontades para compensar a ausência por conta de uma roda viva que
vai nos tragando também é de uma infelicidade atroz.
O que fazer
com um jovem que ceifa a vida de outro, afinal? Conheço a dor de perder
alguém querido de forma estúpida pelas mãos de outro. O espírito de
vingança, travestido de uma roupa bonita chamada Justiça, que foi
incutido em mim pela sociedade desde pequeno, diz que essa pessoa tem
que pagar. Para que aprenda e não faça novamente? Não. Para que sirva de
exemplo aos demais? Não. Para retirá-lo do convívio social? Não. Para
tentar diminuir a minha dor através da dor dele e da sua família? Não.
Não há provas de que nada disso funcione, mas ele tem que pagar. Por que
sempre foi assim, porque caso contrário o que fazer?
A Fundação
Casa, do jeito que ela está, não reintegra, apenas destrói. A prisão,
então, nem se fala. Também não acho que reduzir a maioridade penal para
16 anos vá resolver algo. Ele só vai aprender mais cedo a se
profissionalizar no crime. E se jovens de 14 começarem a roubar e matar,
podemos mudar a lei no futuro também. E daí se ousarem começar antes
ainda, 12. E por que não dez, se fazem parte de quadrilhas? Aos oito já
sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se vestem sozinhos.
A
resposta para isso não é fácil. Mas dói chegar à conclusão de que, se um
jovem aperta um gatilho, fomos nós que levamos a arma até ele e a
carregamos. Então, qual o quinhão de responsabilidade dele? E qual o
nosso?
O certo é que ele irá levar isso a vida inteira – o que não
é pouco – e nunca mais será o mesmo, para bem ou para mal. A sociedade
está preparada para lidar com ele e outros jovens que cometem crimes,
por conta própria ou influência de adultos?
Ou melhor, a
sociedade quer realmente lidar com eles ou prefere jogá-los para baixo
do tapete, escondendo os erros que, ao longo do tempo, ela mesma
cometeu?
TEMA 2: A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA
http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/internacao-compulsoria-2/
Depois que a prefeitura do Rio de Janeiro e o governo do Estado de São
Paulo adotaram uma política pública controversa para os usuários de
drogas, com atenção especial aos viciados em crack, o debate sobre a
internação compulsória para dependentes químicos está cada vez mais
presente na sociedade. Assim como a descriminalização do aborto, o uso de células embrionárias, a comercialização e o porte de armas de fogo
ou a legalização da maconha, a discussão sobre a internação compulsória
para dependentes químicos é um tema bastante polêmico justamente por
provocar opiniões distintas.
Leia os textos sugeridos e em seguida produza um texto argumentativo expondo sua opinião e sustentando-a através de argumentação sobre o tema polêmico "Internação Compulsória"
"Prefiro ser criticado a me omitir" (Veja, ed.2309, 20 de fevereiro de 2013)
Sou a favor da internação compulsória dos usuários de
crack, que perambulam pelas ruas feito zumbis. Por defender a adoção
dessa medida extrema para casos graves já fui chamado de autoritário e
fascista, mas não me importo.
A você, que considera essa solução higienista e antidemocrática,
comparável à dos manicômios medievais, pergunto: se sua filha estivesse
maltrapilha e sem banho numa sarjeta da cracolândia, você a deixaria lá
em nome do respeito à cidadania, até que ela decidisse pedir ajuda? De
minha parte, posso adiantar que fosse minha a filha, eu a retiraria dali
nem que atada a uma camisa de força.
Para lidar com dependentes de crack é preciso conhecer a natureza da
enfermidade que os aflige. Crack é droga de uso compulsivo causadora de
uma doença crônica caracterizada pelo risco de recaídas.
É de uso compulsivo, porque vai dos pulmões ao cérebro em menos de 10
segundos. Toda droga psicoativa com intervalo tão curto entre a
administração e a sensação de prazer provocada por ela, causa
dependência de instalação rápida e duradoura — como a que sentem na
carne os dependentes de nicotina.
As recaídas fazem parte do quadro, porque os circuitos de neurônios
envolvidos nas compulsões são ativados toda vez que o usuário se vê numa
situação capaz de evocar a memória do prazer que a droga lhe traz.
Quando os críticos afirmam que internação forçada cura a dependência,
estão cobertos de razão: dependência química é patologia incurável.
Existem ex-usuários, ex-dependentes não. Parei de fumar há 34 anos e
ainda sonho com o cigarro.
Tenho alguma experiência com internações compulsórias de usuários de
crack. Infelizmente, não são internações preventivas em clínicas
especializadas, mas em presídios, onde trancamos os que roubam para
conseguir acesso à droga que os escravizou.
Na Penitenciária Feminina, atendo meninas presas na cracolândia. Por
interferência da facção que impõe suas leis na maior parte das cadeias
paulistas, é proibido fumar crack. Emagrecidas e exaustas, ao chegar,
elas passam dois ou três dias dormindo, as companheiras precisam
acordá-las para as refeições. Depois desse período, ficam agitadas por
alguns dias, e voltam à normalidade.
Desde que o usuário não entre em contato com a droga, com alguém sob o
efeito dela ou com os ambientes em que a consumia, é muito mais fácil
ficar livre do crack do que do cigarro. A crise de abstinência
insuportável que a cocaína provocaria é um mito.
Perdi a conta de quantas vezes as vi dar graças a Deus por ter vindo
para a cadeia, porque se continuassem na vida que levavam estariam
mortas. Jamais ouvi delas os argumentos usados pelos defensores do
direito de fumar pedra até morrer, em nome do livre arbítrio.
Todas as experiências mundiais com a liberação de espaços públicos
para o uso de drogas foram abandonadas, porque houve aumento da
mortalidade.
A verdade é que ninguém conhece o melhor método para tratar a
dependência de crack. Muito menos eu, apesar da convivência com
dependentes dessa praga há mais de 20 anos.
A internação compulsória acabará com o problema? É evidente que não.
Especialmente, se vier sem a criação de serviços ambulatoriais que
ofereçam suporte psicológico e social para reintegrar o ex-usuário.
Se esperarmos avaliar a eficácia das internações pelo número dos que
ficaram livres da droga para sempre, ficaremos frustrados: é preciso
entender que as recaídas fazem parte intrínseca da enfermidade.
Em cancerologia vivemos situações semelhantes. Em certos casos de
câncer avançado, procuramos induzir remissões, às vezes com tratamentos
agressivos. Não deixamos de medicar pacientes com o argumento de que
sofrerão recidivas.
Está mais do que na hora de pararmos com discussões estéreis e
paralisantes sobre a abordagem ideal, para um problema tão urgente e
dramático como a epidemia de crack.
Se a decisão de internar pessoas com a sobrevivência ameaçada pelo
consumo da droga amadureceu a ponto de ser implantada, vamos nessa
direção. É pouco, mas é um primeiro passo.
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